Memórias de um dia que eu nunca pude viver.

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Existem lutos que não fazem barulho. Vivem no silêncio dos nossos pensamentos, nas conversas que nunca teremos, nos abraços que ficaram suspensos no tempo. Há 13 anos, perdi meu pai. Anos depois, a vida me deu meu filho. Entre esses dois eventos, há um universo de possibilidades que me foi roubado.
Sempre tentei construir uma ponte entre eles com histórias e fotos antigas, amareladas. Mas como explicar um amor que nunca pude viver? Como materializar uma ausência? Recentemente, a inteligência artificial me ofereceu uma resposta, mas não a que eu esperava.
Com algumas fotos antigas e outras recentes, a tecnologia teceu uma imagem: meu pai e meu filho, juntos. Um retrato de um dia no parque, um momento perfeito que nunca aconteceu. Mostrei ao meu filho de 6 anos. Para ele, foi apenas isso: um retrato. Talvez até um pouco confuso. Uma imagem de um passado que ele não tem como lembrar, pois de fato não existe em lugar algum, exceto em mim.
E é aí que a verdadeira experiência começa. O impacto não foi para ele. Foi todo meu.
Olhar para aquela imagem despertou uma sensação que mal consigo nomear. É algo que beira o mórbido, uma quietude profunda que se instala na alma. Não é uma alegria efervescente, mas uma emoção silenciosa, solitária, que ressoa no meu universo particular. É a dor e a beleza de encarar um desejo materializado.
Aquele retrato, embora artificial, parece carregar uma verdade mais honesta do que qualquer memória real poderia ter. Por quê? Porque ele não é uma lembrança de um fato, mas a projeção mais pura do meu pensamento, do meu desejo mais profundo. É um eco visual dos momentos que a vida me ceifou.
É um sentimento complexo. Não supre o vazio, não cura a ferida. Pelo contrário, ele a ilumina, me faz encará-la de uma nova forma. E nisso, encontro uma graça inesperada.
A verdadeira dádiva dessa experiência não foi “reviver” um momento, mas sim poder saborear as possibilidades. É o poder de mergulhar na própria imaginação e dar a ela sentido, vida, cor e forma. É pegar a saudade, esse sentimento tão etéreo, e transformá-la em algo que meus olhos podem ver.
Essa imagem não é uma mentira para me consolar. É um diálogo comigo mesmo. É a materialização de um amor que transcende a própria realidade. E a capacidade de fazer isso, de pintar um sonho com os pixels da tecnologia, de saborear por um instante o gosto do que poderia ter sido… essa é a verdadeira mágica. Essa é a dádiva.